REFLEXÕES TRABALHISTAS
STF não supre lacuna para solucionar conflito de trabalho de servidores
4 de novembro de 2016, 8h02
Na Reclamação 24.597 o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, decidiu monocraticamente em sede liminar que: “o exercício do direito de greve pelos trabalhadores vinculados a órgãos ou entidades da Administração Pública não foi garantido de maneira absoluta, tendo o próprio STF, em sede reclamatória constitucional, conhecido da matéria referente ao alcance de sua decisão normativa para assentar que categorias de cujas atividades dependam a prestação de saúde pública [...] não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados pelo direito de greve”.
Concluiu o ministro Dias Toffoli que “atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça – onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária – e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito”, o direito de greve.
Assim, deferiu o pedido liminar para estender à totalidade dos empregados públicos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo a determinação de continuidade dos serviços prestados pela autarquia, sob pena de multa diária. Em outras palavras, o STF, embora por decisão liminar monocrática, disse que servidores da área de saúde não podem fazer greve.
Essa decisão merece reflexão, uma vez que a Constituição Federal do Brasil garante expressamente aos servidores públicos o direito de greve e de organização sindical (artigo 37, VI e VII). É certo que, diante da essencialidade de boa parte do serviço público, a greve dos servidores requer a aplicação de limites quanto aos percentuais de continuidade desses serviços em relação ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, os quais, na forma da Lei 7.783/1989, aplicável aos servidores públicos por decisão do próprio STF (MI 712), devem ser definidos por acordo entre o ente público e o sindicato ou a comissão de greve (artigos 9º e 11).
Na verdade, de acordo com a Constituição Federal, o direito de greve foi assegurado a todos os trabalhadores, ressalvados os militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proibiu a greve e a organização sindical (artigo 142, parágrafo 3º, IV).
Igualmente importante foi a decisão plenária do STF no último dia 27 de outubro de 2016, também de relatoria do ministro Dias Toffoli, concluindo o julgamento do RE 693.456, com repercussão geral, decidindo por 6 votos a 4 que a administração pública deve fazer o corte do ponto dos grevistas (desconto dos dias paradas em razão de greve), admitindo a possibilidade de compensação dos dias parados mediante acordo entre as partes. Também foi decidido que o desconto não poderá ser feito caso o movimento grevista tenha sido motivado por conduta ilícita do Poder Público, como, por exemplo, por atraso no pagamento dos salários, como nos parece.
Foi aprovada a seguinte tese de repercussão geral: "A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público".
O problema é que, não obstante essa proibição constitucional em relação aos militares e, agora, para várias carreiras de servidores públicos, por decisão do STF, não há no Brasil mecanismos eficazes de solução dos conflitos de trabalho envolvendo essa categoria de trabalhadores públicos. Não se reconhece a eles o direito de negociação coletiva (assinatura de uma convenção ou acordo coletivo de trabalho), arbitragem pública ou privada, nem a atuação do Poder Normativo da Justiça do Trabalho, ante o princípio da reserva legal. Quer dizer, não existem mecanismos de solução dos conflitos envolvendo servidores públicos e a Administração Pública, tudo ficando na dependência do chefe do respectivo Poder Executivo, a quem cabe com exclusividade apresentar um Projeto de lei à casa legislativa concedendo algum benefício aos servidores, como, por exemplo, reajuste salarial na data-base.
Na prática temos visto situações em que servidores públicos ficam vários anos sem reajuste salarial, sem a recomposição do poder aquisitivo do seu salário, dependendo exclusivamente da boa vontade do Executivo, enquanto a causa do conflito continua viva com repercussões na prestação dos serviços e com prejuízos para a população.
Passados mais de 28 anos a Constituição Federal não foi ainda regulamentada no tocante à greve dos servidores públicos nem existem mecanismos de solução dos conflitos que envolvem essa categoria de trabalhadores e a Administração Pública.
Agora, com a crise que assola o país e o congelamento de direitos e benefícios para os servidores públicos, como quer o governo, a consequência será o acirramento dos animus e da conflitualidade e, com certeza, ocorrerão movimentos grevistas, porque, como com sabedoria diz o professor Pedro Paulo Teixeira Manus, “greve é fato social” e, concluo, com ou sem proibição ela poderá ocorrer. Os conflitos sociais são como uma panela de pressão: pode explodir a qualquer momento e ninguém conseguirá impedi-los, muito menos por decreto!
É verdade que em alguns países do mundo a greve em atividades essenciais é proibida, todavia, neles existem mecanismos adequados e eficazes para solução dos conflitos existentes entre os trabalhadores e respectivos tomadores dos servidores, como a Administração Pública.
Penso que as categorias de trabalhadores que exercem atividades essenciais só podem ser proibidas de fazer greve se existirem condições igualmente essenciais de trabalho, o que não ocorre entre nós em muitas situações em que as condições de trabalho desses trabalhadores são por demais precárias e os salários irrisórios. Sim, eles exercem atividades essenciais para a população (direito fundamental), mas, simplesmente proibir o exercício de um direito também fundamental a esses trabalhadores, sem uma contrapartida, não nos parece ser a melhor solução.
Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.
Revista Consultor Jurídico, 4 de novembro de 2016, 8h02
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