terça-feira, 21 de novembro de 2017

Advogados do SINTSAUDERJ e da CNTSS/CUT publicam artigo contra a MP805/17

MP 805: aumento da alíquota como justificativa para conter o “deficit” da Previdência


Diogo Póvoa e Rodrigo Camargo*
Em 30 de outubro, Michel Temer editou a Medida Provisória 805/2017 que dispõe, dentre outros assuntos, sobre a contribuição previdenciária do servidor público titular de cargo efetivo. Segundo o texto da medida, a partir de 1º de fevereiro de 2018, haverá um aumento da contribuição previdenciária do servidor público da União, das autarquias e das fundações públicas federais, de 11% para 14%.
Assim, os servidores permanecerão contribuindo com o percentual de 11% até o teto do valor do INSS que, atualmente, é de R$ 5.531,31. Porém, o valor da remuneração que ultrapassar o teto do INSS sofrerá a incidência da alíquota de 14%. E para os aposentados também vale a mesma regra. E ainda: os servidores que forem portadores de doenças incapacitantes serão obrigados a contribuir com a alíquota de 14% sobre o montante que ultrapassar o dobro do teto do INSS.
Vale lembrar que este novo percentual aplica-se aos servidores que tomaram posse no serviço público federal, pela primeira vez, antes da instituição da previdência complementar (fevereiro de 2013) e que não optaram pelo Funpresp (ou pelo regime de previdência complementar).
Em face desta primeira explicação elucidadora dos fatos, é necessário apontar aqui uma premissa constitucional: para se instituir novos parâmetros para a contribuição previdenciária e que elevam as alíquotas, é imprescindível a apresentação de cálculo atuarial que justifique o aumento da contribuição. Por esta razão, nos termos da Constituição Federal, a contribuição previdenciária não pode ser majorada sem que haja a necessidade do financiamento específico da previdência sendo, de tal forma, vedado também o aumento da contribuição para custeio de outros gastos estatais que não sejam o próprio pagamento de benefícios previdenciários.
Argumento este que corrobora com a própria Lei 9.717/1998, que dispõe sobre as regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos. Assim, qualquer alteração legislativa que busque o aumento da alíquota da contribuição previdenciária deve sempre possuir um cálculo recente para justificar tal acréscimo. E, aqui, é importante que se reforce a ausência de déficit na previdência, já atestada, inclusive, em relatório final da CPI da Previdência.
Dessa maneira, podemos aplicar, por analogia, o art. 167, inciso XI, da Constituição Federal, que prevê a vedação da utilização dos recursos provenientes das contribuições sociais para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do regime geral de previdência. Dentre as balizas constitucionais estabelecidas está o próprio princípio da vinculação da receita com a contribuição previdenciária, tendo em vista a finalidade específica do tributo, que é o custeio exclusivo do regime de previdência dos servidores públicos (art. 195, § 5º da CF).
Por isso, os servidores públicos não podem ser “responsabilizados” de forma desproporcional e desarrazoada com a justificativa de um suposto deficit do Regime Próprio de Previdência Social da União. Déficit já questionado em ações judiciais próprias no país e também pela grande imprensa de forma generalizada.
O caráter contributivo e solidário assegurado ao regime de previdência, bem como a necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, permeiam a Constituição Federal no caput de seu art. 40 e se faz presente na discussão em questão, afinal, a majoração de alíquota não pode ocorrer sem qualquer estudo que comprove que somente o aumento permitiria atingir o equilíbrio no pagamento dos benefícios dos servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
Inclusive, a ausência de estudo técnico não permite avaliar sequer se o percentual majorado importará na sustentabilidade do sistema de seguridade social, sendo possível, tão somente, supor e arbitrar um valor aleatório, em clara afronta à razoabilidade e a vedação de tributos para efeito de confisco.
Conclui-se que o aumento progressivo da alíquota, sem qualquer estudo atuarial prévio, inclusive com o propósito de cobrir lacunas financeiras atinentes a uma política governamental de ajuste fiscal, impõe à natureza jurídica dessa MP total desvio de finalidade e característico ato confiscatório (art. 150, IV, CF), uma vez que não estabelece uma correlação entre as contribuições e os benefícios e serviços.
Representa, pois, uma pretensão governamental de apropriação estatal dos rendimentos dos servidores públicos, contribuintes, comprometendo o exercício do direito a uma existência digna e de regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). Aliás, sob a perspectiva constitucional, instituir ou majorar contribuição, unicamente ao contribuinte servidor para custear a seguridade social, sem que assista àqueles que são compelidos a contribuir com o direito de acesso a novos benefícios ou a novos serviços, constitui verdadeira mácula à equidade no tratamento e forma de participação no custeio.
Decisões do Supremo Tribunal Federal ajudam a concluir que, via instrumento de Medida Provisória, não se pode valer da progressividade na definição das alíquotas pertinentes à contribuição de seguridade social devida pelos servidores públicos em atividade, por se tratar de matéria sujeita à estrita previsão e regulação constitucional. Isto é, não há liberdade decisória para o Chefe do Executivo, por meio de Medida Provisória, em tema de progressividade tributária, instituir alíquotas progressivas em situações não autorizadas pelo texto da Constituição, sendo necessária a alteração por meio de emenda constitucional.
Para além destas regras, a MP posterga os reajustes remuneratórios futuros para diversas categorias do serviço público federal. Nesse sentido, a MP traz uma série de dispositivos que pretendem suspender aumentos concedidos a diversas carreiras. Além de ferir a boa-fé negocial e a confiança legítima presentes nos processos negociais que originaram as leis, é importante destacar a violação ao direito adquirido (art. 5º, inciso XXXVI, CF).
Isso porque, quando da publicação da medida provisória, já se encontrava adquirido e integrado no patrimônio jurídico dos servidores o direito subjetivo ao aumento (apesar de não ter sido efetivamente pago) e, portanto, não poderia haver qualquer alteração tendente à redução (art. 37, inciso XV, CF), sob pena de mácula à irredutibilidade de vencimentos, de proteção constitucional. Segundo decisão recente do próprio STF, a mera publicação das leis que visam conceder o aumento já é suficiente para formar a aquisição do direito e, por consequência, o aumento integrar o patrimônio jurídico dos servidores, mesmo que o termo inicial de execução da lei ocorra em data posterior.
Não vamos nem tratar aqui da análise dos pressupostos de relevância e urgência que devem balizar a edição de uma Medida Provisória, uma vez que não há qualquer comprovação da necessidade de tal intervenção abrupta pelo Chefe do Poder Executivo. Além disso, a ausência de déficit comprovado e demonstrado da Previdência contribui para a violação do art. 62, da Constituição Federal, na medida em que distorce claramente os requisitos da urgência e relevância.
Apesar de a MP em questão dispor sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, é necessário ficar atento à repercussão que tal medida pode causar sobre os servidores públicos em todos os entes federativos. De previsão constitucional, expressa no § 1º, art. 149, pode se extrair que sendo a alíquota da contribuição previdenciária dos servidores titulares de cargos efetivos da União estabelecida em 14%, não poderão os servidores estaduais, do Distrito Federal e dos Municípios, possuírem alíquota inferior. Ou seja, podemos estar diante de um temerário efeito dominó.
*Diogo Póvoa é advogado. Atualmente integra a equipe de advogados do escritório Cezar Britto & Advogados Associados e é especialista em direito dos servidores públicos.
*Rodrigo Camargo é advogado e coordena o Núcleo de Administrativo-Cível do Escritório Cezar Britto & Advogados Associados. É especialista nas áreas de Direito Administrativo, Constitucional e Humanos.

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