Fonte:justificando.cartacapital.com.br
A reforma trabalhista foi aprovada às pressas com pouco mais de quatro meses de tramitação no Congresso Nacional, enxertando normas unicamente com caráter patronal na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mitigando o princípio da proteção que rege esse ramo especializado do direito, retirando pura e simplesmente diversos direitos dos trabalhadores e enfraquecendo os sindicatos sob o falso discurso da necessidade de “modernização” e, ainda, de que iria “gerar empregos”.
A reforma trabalhista foi aprovada às pressas com pouco mais de quatro meses de tramitação no Congresso Nacional, enxertando normas unicamente com caráter patronal na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mitigando o princípio da proteção que rege esse ramo especializado do direito, retirando pura e simplesmente diversos direitos dos trabalhadores e enfraquecendo os sindicatos sob o falso discurso da necessidade de “modernização” e, ainda, de que iria “gerar empregos”.
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Não houve diálogo com a sociedade, com a classe trabalhadora, com as centrais sindicais, com qualquer comissão de juristas, aliás, o projeto que deu origem à Lei nº 13.467/2017 sequer foi lido na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, apenas meia dúzia de pessoas ligadas a um setor muito específico do capital sabiam de fato o que estava em jogo.
Apenas contribui para o aumento de ganhos a curto prazo do capital especulativo e prejudica a classe trabalhadora, violando uma dezena de dispositivos constitucionais, além de criar uma irracionalidade lógica e jurídica na essência do Direito do Trabalho.
É importante soterrar os mitos que foram propagados pelo relator Rogério Marinho e seus fiéis seguidores na reforma trabalhista. O primeiro, no sentido de que “a CLT é velha, é de 1943” não se mantém de forma alguma. Basta verificar que o projeto de “flexibilizar a CLT” surge a partir de 1964 e perdura durante as décadas seguintes, atingindo o ápice nos anos 90 onde dezenas de normas desfavoráveis ao trabalhador foram aprovadas sempre com a mesma justificativa.
Aliás, é fácil notar que dos 921 artigos que compõem a CLT, apenas 188 ainda vigoram com a sua redação original. Todo o resto já foi alterado sempre com o viés de “modernizar” as relações de trabalho, entretanto, as modificações tem resultado em precarização da classe trabalhadora, como a que causou o fim da estabilidade decenal, o aumento irrestrito da terceirização, a habitualidade na exigência de horas extraordinárias, a instituição de regimes compensatórios sem qualquer regulação etc. Na verdade, as relações de trabalho hoje são regidas especialmente pelos artigos 6º e 7º da Constituição da República de 1988, portanto, o Direito do Trabalho que atualmente vigora é o que surgiu a partir do sistema constitucional estabelecido no final da década de 80 e início da década de 90, com todas as modificações posteriores que daí surgiram.
Outro mito propagado pelos defensores da reforma trabalhista é no sentido de que ela, por si só, irá “gerar empregos” e “diminuir a crise no Brasil”. A falácia desse discurso é evidente, afinal, foram enxertadas na CLT normas que facilitam a dispensa coletiva sem que a Justiça do Trabalho ou os sindicatos sequer possam mediar a questão. Trata-se do artigo 477-A que equipara as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.
Ainda nesse sentido, a reforma trabalhista introduz o art. 477-B que, em consonância com entendimento recentemente exarado pelo STF[1], incentiva os planos de demissão voluntária ou incentivada com quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia. O resultado disso é que imediatamente grandes instituições financeiras, empresas públicas e privadas já lançaram seus programas de demissão voluntária, agora “protegidas” pela égide da norma enxertada pela reforma trabalhista, o que irá causar, ao fim e ao cabo, outros milhares de desempregados por todo o país.
Como visto, as justificativas apresentadas para a aprovação da reforma trabalhista não são válidas e representam falácias que facilmente podem ser desconstruídas diante da realidade das relações entre capital e trabalho. Também não é verdade que o trabalhador de hoje esteja mais independente, seja mais autossuficiente e por isso não necessitaria mais da tutela estatal podendo livremente pactuar as condições de trabalho diretamente com o seu empregador, nos termos do novo parágrafo único do artigo 444.
Na realidade, o empregado nunca esteve tão fragilizado nessa relação como está atualmente. Basta ver ao redor, conversar com familiares, vizinhos, colegas de trabalho, qualquer cidadão nas ruas:
Quem consegue trabalhar apenas oito horas diárias?; qual trabalhador pode gozar de seu descanso semanal remunerado com certa regularidade?; quem se dá ao luxo de ficar trinta dias de férias sem ter receio de perder o emprego no seu retorno?; quantos fazem “bicos” além do emprego formal para complementar a renda, considerando os baixos salários pagos pelo patronato brasileiro? No Brasil do século XXI a realidade demonstra que a classe trabalhadora nunca se trabalhou tanto em troca de tão pouco.
Pois bem. Ocorre, entretanto, que as consequências dessa grave alteração na legislação trabalhista com a inversão de sua lógica pode afetar também o empregador de forma direta. Ora, é sabido que 84% dos empregos formais são gerados por micro e pequenas empresas que dependem do consumo interno para se manterem em funcionamento. Aumentando a carga de trabalho, os trabalhadores não terão tempo para consumir. E com a retirada de vários de seus direitos trabalhistas, haverá uma diminuição salarial impactando diretamente na economia local, fazendo com que empreendedores de pequeno e médio porte sintam a queda no consumo e o aprofundamento da crise econômica.
A exploração desenfreada dos trabalhadores gera um efeito reverso, menos dinheiro em circulação, aprofundando a crise econômica de modo a afetar todo o capital produtivo. Como consequência, o aumento do desemprego irá piorar a situação caótica que a economia brasileira vive implicando no encerramento das atividades das pequeno e médio empresas nacionais.
Assim, fica a pergunta: a quem serve essa reforma trabalhista? Nesse caso, a resposta parece bastante óbvia. A retirada de direitos trabalhistas e a tentativa de destruição da Justiça do Trabalho serve apenas ao grande capital internacional e ao capital especulativo, ao contrário do que imaginam nossos pequenos e médios empreendedores.
Aos que acreditam que o parcelamento do período de férias, a prevalência do negociado sobre o legislado, o contrato intermitente ou “zero-hora”, o aumento irrestrito das terceirizações, a contratação de “autônomos subordinados e exclusivos sem vínculo de emprego”, a diminuição do intervalo para refeição e descanso, a possibilidade de contratação de mulheres grávidas e lactantes em ambientes insalubres, a contratação a tempo parcial com possibilidade de realização de horas extras, a supressão do tempo à disposição e o fim do pagamento das horas na jornada in itinere, entre outros, sejam medidas que irão retirar o Brasil da crise econômica, basta olhar o que aconteceu com países que implementaram alterações semelhantes: aprofundamento da crise econômica, precarização das relações do mercado e aumento da desigualdade social.
Se os trabalhadores não tiverem tempo nem dinheiro para consumir, as empresas de pequeno e médio porte irão encerrar as suas atividades. Mas, afinal, talvez esse seja mesmo o grande objetivo por trás das mudanças estruturais que esse governo ilegítimo pretende fazer, entregar todas as nossas riquezas ao capital internacional e conduzir o Brasil diretamente para o caos econômico e social, afinal, só atende ao interesse daquele 1% que comanda a economia mundial. Entretanto, o risco envolvido não é pequeno. Daqui a cinco ou dez anos outras medidas terão de ser tomadas a fim de se evitar o colapso total da sociedade em que vivemos.
Átila Da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Processual Civil. Pós-graduado em Sociologia pela Universidade Estácio. Foi juiz do trabalho na 23ª Região, procurador federal e delegado de polícia civil. Publicou os livros: Execução Civil – Aspectos Destacados (Curitiba: Juruá, 2007) e Crise Econômica, Flexibilização e O Valor Social Do Trabalho (São Paulo: LTr, 2015). Autor de artigos jurídicos em publicações especializadas. Professor na pós-graduação na URI em Frederico Westphalen/RS e vice-Diretor da FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul.
[1] Decisão proferida no RE 590415, que teve repercussão geral reconhecida pelo STF.
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